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terça-feira, 19 de maio de 2015

APA - O ATLETISMO AFETIVO



É preciso admitir, no ator, uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a
localizações físicas dos sentimentos. O ator é como um verdadeiro atleta físico, mas
com a ressalva surpreendente de que ao organismo do atleta corresponde um organismo
afetivo análogo, e que é paralelo ao outro, que é como o duplo do outro embora não aja
no mesmo plano. O ator é como um atleta do coração.
Também para ele vale a divisão do homem total em três mundos; e a esfera
afetiva lhe pertence propriamente. Ela lhe pertence organicamente.
Os movimentos musculares do esforço são como a efígie de um outro esforço
duplo, e que nos movimentos do jogo dramático se localizam nos mesmos pontos.
Enquanto o atleta se apóia para correr, o ator se apóia para lançar uma
imprecação espasmódica, mas cujo curso é jogado para o interior.
Todas as surpresas da luta, da luta-livre, dos cem metros, do salto em altura
encontram no movimento das paixões bases orgânicas análogas, têm os mesmos pontos
físicos de sustentação.
Cabe ainda a ressalva de que aqui o movimento é inverso e, com respeito à
respiração, por exemplo, enquanto no ator o corpo é apoiado pela respiração, no lutador,
no atleta físico é a respiração que se apóia no corpo.



















Pode-se fisiologicamente reduzir a alma a um novelo de vibrações.
É possível ver esse espectro de alma como intoxicado pelos gritos que ele
propaga; se não fosse assim, a que corresponderiam os mantras hindus, as
consonâncias, as acentuações misteriosas, em que o subterrâneo material da alma,
acuado em seus covis, vem contar seus segredos à luz do dia.
A crença em uma materialidade fluídica da alma é indispensável ao ofício do
ator. Saber que uma paixão é matéria, que ela está sujeita às flutuações plásticas da
matéria, dá sobre as paixões um domínio que amplia nossa soberania.
Alcançar as paixões através de suas forças em vez de considerá-las como puras
abstrações confere ao ator um domínio que o iguala a um verdadeiro curandeiro.
Saber que existe uma saída corporal para a alma permite alcançar essa alma num
sentido inverso e reencontrar o seu ser através de uma espécie de analogias
matemáticas.


Textos: Antonin Artaud (O Teatro e seu Duplo)

Fotos nesta postagem: Marta Viana

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